segunda-feira, 2 de março de 2009


Bruxelas, de Domingos Alexandre

Edson Nery da Fonseca me perguntou quem era o autor de um belíssimo poema que ele havia lido, intitulado Bruxelas e eu lhe respondi que era Domingos Alexandre. Sugeri que os dois se conhecessem. O que foi feito. A mídia literária fashion de Pernambuco tem deixado de lado nomes como o de Domingos Alexandre, cuja cultura e domínio poético o situam entre os melhores poetas brasileiros contemporâneos. Enquanto isso, ele continua a estudar línguas, sua distração predileta, e a escrever poemas, dos quais Bruxelas é uma pequena mostra.

Bruxelas

A Esman Dias

Escurecia e o dia era tão frio
que cada rua era um desvão sombrio
e nossos passos pelo calçamento
num compasso de mudo desalento
soavam como fuga para o Eterno
ante o cerco sem fim daquele inverno.
As pessoas envoltas em seus mantos
passavam numa profusão de espantos
perdendo-se, de vez, por trás dos muros
em busca de lugares mais seguros
e o céu baixava com indiferença
a nublada carranca. A noite imensa
sem coorte de estrelas e sem lua
caía bruscamente sobre a rua.
E eu seguia sem rumo e sem saída
na noite que inundava minha vida.

Sob os arcos de um velho monumento
gemia um vagabundo sonolento
e o vento uivando para todo lado
passava como um lobo esfomeado.
Naquela noite minha solidão
se arrastava ao meu lado como um cão
que embora exposto à dor e ao abandono
se recusava a abandonar o dono.
E eu, desterrado e, ali, vagando a esmo,
carregando esse espectro de mim mesmo,
caminhava sob a garoa fria
que doía nos ossos e feria
com as pontas dos dedos o meu rosto
aumentando-me a chaga do desgosto
numa Bruxelas para sempre hostil,
a centenas de léguas do Brasil.

A ilustração é do pintor belga Paul Delvaux (1897-1994).

Um comentário:

Anônimo disse...

Belíssimo poema, parabéns pela palavra que a antecede! A sua queixa, FAÇO-A MINHA!!