sexta-feira, 5 de junho de 2009


A visão da crise por Ernest Mandel

"A segunda-feira negra do 19 de outubro de 1987 constitui um golpe muito duro para a economia capitalista internacional. Nesse dia, e no dia seguinte, as bolsas sofreram uma baixa das ações superior à da “quinta-feira negra” de Outubro de 1929 na Wall Street. As perdas totais unicamente dos acionistas americanos foram avaliadas em 1.000 milhões de dólares. Para dar uma ordem de grandeza, os particulares perderam quase a metade do equivalente de toda a dívida pública dos Estados Unidos. As perdas mundiais ultrapassaram 1.500 bilhões de dólares, 50% a mais do que toda a dívida do 'Terceiro Mundo'.
O fato de a Bolsa recuperar nos dias seguintes uma parte dessa baixa, não significa que essas perdas foram anuladas. Não são as mesmas pessoas que perderam e depois ganharam. A grande maioria dos pequenos e médios acionistas sofreu a perda sem ganhar o que quer que seja nos dias seguintes. A queda brutal das cotações que se estendeu a todas as bolsas do mundo capitalista reflete a enorme instabilidade monetária que reina hoje sobre a economia capitalista internacional.
O comentário dos praticantes do método Coué *, a começar pela senhora Thatcher, segundo os quais não haveria razão para inquietações, pois a “economia real” estaria sã, é tocado pela marca da cegueira, se não pela vontade deliberada de enganar o público.
O que é típico da especulação da Bolsa, é que ela não reflete nunca a situação do momento. Antecipa, ou seja, traduz previsões sobre o que se passará no depois de amanhã. Neste sentido, a queda das cotações da Bolsa corresponde aos temores de uma nova recessão generalizada que se espalham cada vez mais. Em função “da economia real”, estes temores são completamente fundados. É possível dizer que um 'novo 1929' já começou? A queda das cotações de Wall Street desencadeará uma crise econômica da gravidade daquela ocorrida após o outubro de 1929? A pergunta é mal colocada por duas razões.
Em primeiro lugar, para que um desmoronamento das Bolsas desencadeie uma grave crise de superprodução são necessários vários fatores concomitantes. A Bolsa revela-se certamente o elo mais fraco da cadeia. Mas outros elos devem saltar de modo a que toda a cadeia possa vir a ceder. Instituições financeiras devem ser golpeadas mortalmente para que seja paralisada a expansão do crédito; grandes firmas industriais devem ir à falência; as encomendas, a produção corrente, o emprego, devem recuar sensivelmente. Tudo isso ainda não aconteceu. Tudo isso pode acontecer nos próximos meses.
Em seguida, em 1929 também não aconteceu de repente, com a “quinta-feira negra”, o desemprego de 30% nos Estados Unidos e de 40% na Alemanha. Foi necessário mais de dois anos para se chegar a esse resultado catastrófico. Paradoxalmente, para o capitalismo, o meio que os governos imperialistas imaginaram para parar a queda de Wall Street é mais grave do que a própria queda própria: injeção de novos créditos, uma nova inflação da massa monetária, uma nova ampliação da montanha de dívidas. O fato que isto esteja acompanhado, contra qualquer lógica, de uma baixa momentânea das taxas de juros, apenas demonstra o caráter “depois de nós o dilúvio” dessa pseudoterapia. O deficit persistente da balança comercial americana inunda o mundo de dólares depreciados. Pode-se “atrair” capitais estrangeiros para os Estados Unidos reduzindo as taxas de juros? Apostemos que os capitalistas japoneses e europeus reagirão à sua maneira. Outro dia tomamos conhecimento que na grande Los Angeles três quartos dos grandes edifícios já são propriedade estrangeira! Aí está onde conduz a política do Sr. Reagan. Ele tapa as brechas da fortaleza preenchendo-as com bananas de dinamite. Isso não livra o futuro de novas explosões. Mais do que nunca, a espiral de dívida vai se estender. A curto prazo, pode-se prever a redução do poder de compra dos consumidores, um novo passo para a recessão. Depois, são as dívidas do Terceiro Mundo, as dos Estados Unidos, as dos bancos e bolsas japonesas, as dos poderes públicos e a seguridade social na Europa, que começarão a degringolar. Toda a bola de neve pôs-se em movimento há mais de um ano. O resto é apenas uma questão de cronologia: crise generalizada em 1987 ou 1988!”
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Ernest Mandel (1926-1995), de origem belga, foi um dos economistas marxistas mais importantes do século XX. O texto acima está publicado no site dedicado à sua memória:
http://www.ernestmandel.org/fr/ecrits/txt/1987/1929.htm
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N.T. Émile Coué (1857-1926), psicólogo francês, inventou um novo método, o do estímulo através da au-sugestão consciente.
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