domingo, 16 de maio de 2010

Calvino e Hemingway


Quando lemos Italo Calvino – um dos mais brilhantes escritores e ensaístas do século que passou – deveríamos ter em mente que muitos de seus textos foram escritos quando ele ainda militava no PCI, o Partido Comunista Italiano. Subjacente às suas análises há, portanto, um elemento que transmite à sua escrita um viés especial: a sensibilidade dialética para observar os fatos, sua capacidade de compreendê-los dentro de um tempo e de suas marcas.
Pensei nisso ao ler o ensaio Hemingway e nós, incluído no livro Por que ler os clássicos (São Paulo: Companhia das Letras, 2007), publicado originalmente em 1954 (no Il contemporaneo I,33). Nele, Ítalo Calvino procura explicar sua admiração por Hemingway. Era a época das grandes causas antifascistas: literatura e política com certa freqüência caminhavam juntas. Depois, ao assumir uma distância crítica, Calvino vai proceder à dissecação da obra do escritor estadunidense, marcada pelo fascínio da caça, das touradas, das guerras. Pois difícil é separar a obra de Hemingway das imagens que transmitem aquela espécie de existencialismo selvagem, característica de uma certa literatura dos Estados Unidos, da qual Jack London foi outro representante inconteste.
O herói de Hemingway, escreve Ítalo Calvino, identifica-se com as próprias ações que executa, enquanto em torno dele “sempre existe algo de que quer fugir, um sentido de inutilidade de tudo, de desespero, de derrota, de morte”.
Confesso que, talvez por isso, eu nunca tenha tido o fascínio de minha geração ao ler O velho e o mar. Aquela luta desigual entre o homem e o peixe, aqueles detalhes de gestos e de pequenas ações me deixavam à espera que alguma coisa de mais importante acontecesse. Mas ao terminar a leitura do livro, lembro, tive, de fato, aquela sensação de vazio e de inutilidade de que fala Ítalo Calvino.
Calvino comenta que a não-filosofia de Hemingway é a contrapartida de sua relação com o neopositivismo norte-americano, “que propõe as regras do pensamento num sistema fechado, sem outra validade a não ser nele mesmo” e que corresponde “ao código ético-desportivo dos heróis hemingwayanos, única realidade segura num universo incognoscível”. Talvez ao crítico italiano não tenha parecido interessante efetuar paralelo entre essa literatura e a ideologia do “fordismo”, que deu sustentação ao capitalismo do país do autor de Por quem os sinos dobram. O “fordismo” tinha por objetivo a racionalização do trabalho taylorista, a padrozização e eficiência da produção de mercadorias em série. O fascínio ideológico pelo movimento e pela ação, na literatura, também transforma personagens em pequenas máquinas que vivem uma trama, mas não conseguem opinar sobre ela. Nesse aspecto, a literatura dos Estados Unidos está a alguns quilômetros de distância da literatura alemã. Mas isso é outra história...
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