quarta-feira, 19 de maio de 2010


De um texto sobre Álvaro Lins...

(...) Sua idéia sobre “poesia moderna”, embora não tenha sido claramente elaborada, intuía aquela dimensão que seria explicitada por Claude Esteban quase três décadas depois, ao analisar a obra de Gaston Bachelard. Argumentou o crítico francês, que apesar das afirmações do autor de Psychanalyse de feu, o poeta não é apenas um “fazedor” de palavras, mas “um inventor de sentidos”. Sob as teias da construção poética, para a qual o autor consagra todo o seu ser, unem-se intuição e consciência, história e elementos da realidade imediata. A redução da poesia a um acontecimento lúdico ou simples “trampolim para o sonho” seria a negação de que o poeta é aquele que “enraíza nas palavras a confissão de uma finitude e a história dos inconciliáveis”.
Foi certamente com essa idéia de considerar o poeta como “fazedor de sentidos” que Álvaro Lins analisou os livros de Carlos Drummond de Andrade e de João Cabral de Melo Neto, que anunciavam, na sua correta interpretação, o surgimento de uma poética nova no cenário literário do Brasil, com dimensão e características próprias.
Álvaro Lins admitia ser o destino da poesia contrariar violentamente “os aspectos convencionais ou superficiais das coisas”. Ao analisar o livro de estréia de João Cabral de Melo Neto, O engenheiro, afirmou que para realizar alguma coisa de especial na ordem estética os poetas deveriam começar pela forma, rompendo com as fórmulas do passado. E enunciou o que para ele era revolucionário: sem negligenciar a valorização da ‘essência poética’, cabia aos novos – entre os quais situava João Cabral de Melo Neto – operar o restabelecimento de uma forma artística que não fosse simples herança da tradição parnasiana, mas o que ele, Álvaro Lins, considerava uma “evolução dentro do gosto e senso estético do nosso tempo”.
Contudo, dessa idéia de “poesia moderna”, muito mais intuída do que explicitada com clareza nos textos do crítico brasileiro, sobressaem certas incoerências no que diz respeito à forma de observar o fazer poético de alguns escritores criticados em Os mortos de sobrecasaca. É que diante de uma “poesia moderna”, que ele julga estar empreendendo uma “espécie de exploração no tempo e no espaço”, reconheceu sua própria perplexidade ao acreditar que os poetas brasileiros estavam próximos de uma grande descoberta, mas revelou não saber qual o destino dessa poesia. Quando, por exemplo, analisou as Elegias, de Vinicius de Moraes, confessou, “sem constrangimento”, não ter qualquer impressão sobre o poema Última elegia, escrito, segundo ele, “numa língua particular, mistura de inglês e de português, com palavras ou jeito de arranjos gráficos de ordem meramente mnemônica”.
É, sem dúvida, louvável constatar essa humildade do crítico ao reconhecer limitações diante de um poema que utiliza uma linguagem inusitada, numa atitude que reforça o respeito à honestidade intelectual de um intelectual de seu porte. No entanto, os recursos utilizados na confecção da Última elegia não constituíam novidade. Na literatura de língua portuguesa poderiam ter sido cotejados com poemas como Manicure, de Mário de Sá Carneiro, ou mesmo com a Ode triunfal, de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), ambos escritos em 1915, ou seja, quase três décadas antes da publicação do livro de Vinicius de Moraes. Além disso, era de se esperar uma maior atenção à experiência do autor de Elegias, na sua tentativa de buscar aquilo que o próprio Álvaro Lins preconizava para o “poema moderno”, ou seja, uma substância poética expressa numa forma poética particular. Assim, pelo menos nesse caso, Álvaro Lins parece ter se furtado a examinar com maior empenho aquele “objecto que está em frente, fixo, estruturado: o texto, conjunto orgânico de sinais, o preto no branco, a mancha da página”. Para depois, segundo o conselho de Jacinto do Prado Coelho, poder “ir da estrutura ao significado profundo. Da estrutura à gênese. Dos estímulos aos efeitos”.(...)

(Ilustração: Max Ernst)

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