domingo, 6 de junho de 2010


Diário de uma viagem ao horror

Com este título, o jornal espanhol El País publicou, hoje, o relato do escritor sueco Henning Mankell, sobre a tomada por militares de Israel do navio turco em que se encontrava e que fazia parte da flotilha que transportava víveres para a faixa de Gaza. Henning Mankell é mundialmente conhecido e vários de seus livros foram publicados no Brasil, entre os quais O homem que sorria. Após sua libertação, Henning Mankell, já na Suécia, declarou, que o governo de Israel deveria ser processado por pirataria. Além disso, aventou a possibilidade de proibir a tradução de suas obras em hebreu.

No mar (4.30 horas.)

Henning Mankell

(...) "Acabo de conciliar o sono, quando me acordam. Já no convés, comprovo que o grande navio de passageiros estáiluminado por potentes holofotes. De repente, ouvem-se alguns disparos. E compreendo que Israel escolheu o caminho do enfrentamento brutal.
Transcorrida uma hora exatamente, os botes de borracha se aproximam velozmente cheios de soldados mascarados que iniciam a abordagem imediata. Reunimos-nos na cabine de pilotagem. Os soldados se mostram impacientes e querem que desçamos para o convés. Alguém demora e é atingido por uma descarga elétrica no braço. O homem cai no chão. Outro homem que também não se movimentava com a pressa suficiente recebe o impacto de uma bala de borracha. E tudo isso acontece ali mesmo, ao meu lado. É absolutamente real. Pessoas totalmente inocentes tratadas como animais e castigadas por sua lentidão.
Somos agrupados no convés. E ali, permaneceremos durante onze horas, até que o barco atraque em Israel. Os soldados nos filmam de vez em quando, mesmo não tendo qualquer direito a isso. Ao me ver tomando notas, um dos soldados se aproxima e me pergunta o que estou escrevendo. É a única ocasião em que perco as estribeiras. Respondo dizendo que não é da sua conta. Avisto apenas seus olhos e não sei o que está pensando, mas no final dá meia volta e vai embora.
Onze horas imobilizados, amontoados no meio daquele calor, pode ser um método de tortura. Para ir urinar, tenho que pedir permissão. Pão, biscoitos e maçãs é o que nos dão para comer. Tomamos uma decisão conjunta: não pedir que nos permitam cozinhar. Seríamos filmados e isso seria mostrado como um ato de generosidade da parte dos soldados. Assim, nos contentamos com os pães e os biscoitos. É uma humilhação sem igual. (Entretanto, os soldados retiraram os colchões dos camarotes e agora dormem ao fundo da popa.
Durante essas onze horas tenho tempo de dar-me conta o que aconteceu. Fomos atacados enquanto nos encontrávamos em águas internacionais, o que implica que os israelenses atuaram como piratas, não muito melhor do que os piratas que agem na costa da Somália. Por outro lado, no momento em que obrigaram o nosso navio a tomar o rumo de Israel, estávamos sendo sequestrados. Essa intervenção é completamente ilegal.
Entretanto, tentamos falar, elucidar o que sucederia, e nos perguntamos como é possível que os israelenses tenham optado por uma solução que os coloca num beco sem saída. Os soldados nos observam. Alguns fingem que não sabem inglês, porém todos falam e entendem essa língua. Dois deles são mulheres. Parecem preocupadas. Talvez depois, quando tiverem terminado o serviço militar, decidam fugir para Goa e destruir suas vidas se drogando. Isso acontece constantemente."(...)

http://www.elpais.com/articulo/reportajes/Diario/viaje/horror/elpepusocdmg/20100606elpdmgrep_2/Tes

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