quinta-feira, 18 de agosto de 2011


1 - Como você destacaria Mauro Mota diante da Geração 65 e de Carlos Pena Filho, só para citarmos algumas das vertentes da poesia mais marcantes do Estado a partir da segunda metade do século passado?

Não gosto muito dessa definição, Geração 65. É uma espécie de batismo acadêmico para poéticas tão diferentes quanto as de um Esman Dias, de um Jaci Bezerra, de um Orley Mesquita, de um Domingos Alexandre ou de um Alberto Cunha Melo, para citar apenas alguns nomes. A própria poesia do Noticiário, de Alberto, claramente marcada pela violência dos anos de ditadura, é diferente daquela de seus últimos livros. Penso que a poesia marcante, da qual tentamos fugir para não cair nas suas teias, foi a de João Cabral de Melo Neto. Mas todos leram Mauro Mota e, para mim, foi uma poesia que me chamou a atenção desde que abri o livro O galo e o cata-vento. Ele, Joaquim Cardozo e João Cabral eram (e são ainda) leituras obrigatórias. Teceram alguma coisa de especial na linguagem, na temática. E havia também outro poeta, que foi certamente um dos mais próximos de nossa geração (embora hoje se fale tão pouco dele), Audálio Alves. Era quem nos recebia no seu escritório, para nos falar de García Lorca, de Míguel Hernández, de Juan Ramón Jiménez.

2 - É possível pensar numa leitura política da obra de Mauro Mota, do tipo em pensar nele como um autor de esquerda ou de direita, apesar de temas políticos não estarem explícitos em sua literatura?

Essa pergunta é interessante, porque suscita uma questão que foi posta como pauta no suplemento cultural Pernambuco deste mês, ou seja, o que em literatura é ‘politicamente correto’. Não conheci Mauro Mota, a não ser através das histórias de pessoas que convieram com ele. Foi bom ter sido assim. Pois o descobri através da leitura de seus livros. No contexto do Pernambuco da época seria fácil considerar Mauro Mota um tanto conservador. Então, não havia muita possibilidade para o meio termo, o embate político era muito forte, aqueles que se posicionaram claramente (e não foram poucos) sofreram revezes, ficaram 'marcados', como se dizia, foram embora de Pernambuco. Também vários intelectuais, que hoje se dizem de ‘esquerda’, se posicionaram claramente favoráveis ao discurso que caucionou o início da ditadura militar. Depois, alguns reavaliaram suas posições, mudaram de ideia, como é de praxe ao longo de nossa história. Mas, pergunto, quem, senão Mauro Mota, escreveu o libelo Boletim sentimental da guerra no Recife ou o poema sobre a demolição de um patrimônio histórico como a Igreja dos Martírios? Ou aqueles tão ‘sociais’ quanto Cercas, A rendeira ou A tecelã?

3- O que lhe atraiu na obra de Mauro Mota, a ponto de organizar um volume poético dele?

Um livrinho branco, editado pela Livros de Lisboa, O galo e o cata-vento. Um livro diferente como objeto e conteúdo. Versos que falavam dos panos da lavadeira, como estes: Libertos da trouxa tremem/as calças e os paletós./Doem na pedra pano e carne/sem anotações no rol. Cantiga de lavadeira, seria mais tarde escolhido pelas crianças da Escola Mauro Mota para ser encenado na ocasião do lançamento de sua Obra poética. Ora, quando um poema, que parece complexo, toca as crianças, há pelo menos duas leituras possíveis: a de que elas são capazes de discernir o que há de belo e de emocionante num texto poético e que a poesia tem a capacidade de nos fazer enxergar o mundo de uma forma nova, diferente. Não é por acaso que as duas edições da obra poética de Mauro Mota, organizadas por mim e por Sônia, editados pela Ensol (a primeira por iniciativa de Renato Cunha, do Sindaçúcar) esgotaram-se rapidamente. O que certamente ocorrerá com as coletâneas de crônicas e poemas que estão sendo editadas pela Cepe – Companhia Editora de Pernambuco.

4 - Por que você acha que a poesia de Mauro Mota não teve a repercussão da de muitos dos seus contemporâneos?

Não concordo muito com essa pergunta, porque ela induz a resposta. Primeiro, a literatura que repercute nem sempre é a que permanece. Penso ‘repercussão’ na sua acepção latina, algo que ricocheteia ou se reflete como eco. Na percussão como estrondo, explosão. Acontece que o estrondo ecoa, mas desaparece. Ora, a poesia, como a de Mauro Mota, é algo sutil, que escorre como água, esgueira-se por todos os cantos de nossa casa, de nossa alma. E fica guardado. Acho que essa é a verdadeira literatura. Em seguida, não temos influências de muitos. Herdamos um pouco de muitos, mas somos influenciados por poucos. Além disso, quando se trata de um verdadeiro artista, as influências são como retalhos com os quais ele constrói sua própria obra, retalhos às vezes tão pequenos que não são perceptíveis quando o lençol de seus textos fica quarando ao sol. Elas, as ‘influências’, se diluem tanto em seus escritos, que ele acaba por não perceber onde estão localizadas as cicatrizes no corpo do poema.

5 - Quando falamos em Mauro, lembramos sempre de tópicos como o Recife, saudade, as ruas, as elegias. Seria essa uma leitura ainda reduzida da sua obra, uma espécie de clichê?

O clichê é uma forma sub-reptícia de afastar qualquer forma de crítica. E a crítica é prática difícil nas sociedades em que predominam certas formas de compadrio e também de rejeição. Essas sociedades não suportam uma avaliação teórica ou estética, tudo repercute nas relações pessoais.
Alguns dos poemas de Mauro Mota, considerados os 'melhores', são, a nosso ver, menos interessantes do que outros, sobre os quais ninguém fala. As Elegias, por seu efeito lírico, podem tocar mais facilmente o leitor. Mas o observador crítico diria que estão longe de ser os poemas mais representativos da obra de Mauro Mota. Quanto à sua geografia lírica, ela não apenas resgata lembranças de seu microcosmo. Ela tem a mesma tessitura daqueles versos de Joaquim Cardozo, que celebram o Recife “morto, mutilado e grande/Pregado à cruz das novas avenidas”. Mauro Mota e Joaquim Cardozo foram dois poetas de percursos diferentes, mas tocados pela mesma ferida. Escreveram elegias à cidade que eles intuíam fadadas a ser esmagada para se tornar uma metrópole fria e desumana. Metrópole onde as cadeiras na calçada seriam tangidas – como de fato veio a acontecer - pela fumaça dos canos de escape dos automóveis.

(Entrevista Jornal do Commercio 17.08.2011)

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