quarta-feira, 21 de dezembro de 2011




Rumo ao feio 1

A cidade ruma em direção ao feio. Na arrumação dessa fealdade trabalham os arquitetos, sob o bater do martelo de empreiteiros e construtores. Detrás deles, uma rede intrincada de interesses subalternos equaciona nosso desespero urbano, como demônios de um quadro de Jerônimo Bosch. O efeito explode em qualquer lugar, em qualquer rua. E, para quem chega, o trajeto do aeroporto Guararapes ao bairro de Casa Forte, via Avenida Recife ou Avenida Mascarenhas de Morais, recebe o primeiro choque, o primeiro aviso: neste lugar a consciência estética está morta.
Logo entendemos que o arquiteto não é mais um localizador de sentimentos, uma espécie de organizador de tudo o que o preenche a vida humana, como desejava o filósofo do espaço, Evaldo Coutinho. Ele, o arquiteto, é apenas exemplo mais gritante da incapacidade de arrumar o caos. Sua grife, que ele negocia para dar o tom a edifícios que outros constroem, serve apenas de apelo à venda de um espaço aéreo desdobrável, cuja perspectiva é a ruina, quando o concreto também se cansar de tanto despropósito.
Na cidade caótica, contraditoriamente sem e com poucos donos, flutua um sentimento de que tudo é transitório e é exíguo o lugar do sonho. De que a vida que conta é a do extramuros, a do lado de fora, onde a preocupação com espaço e ambiente inexiste.
Porque do lado de dentro, o barulho do vizinho anda sempre de tocaia, a degradação dos espaços denominados coletivos nos assusta, no elevador há falta de bom-dia e obrigado.  Ninguém encontrou um lugar para viver que conforte e ilumine, mas algo que apenas agasalha um cotidiano descartável, sem registro ou história.  Sobretudo, sem compromisso. Como a gôndola de um supermercado.
O que é transitório dispensa beleza. Por isso, a propaganda para a venda de um prédio chama a atenção para a localização, as dimensões, os equipamentos, às vezes para a grife do arquiteto. Nunca para a harmonia do lugar, a beleza das soluções, a maneira como a construção se acorda com o resto da cidade, da rua, com alguma coisa de humano.
Às cinco da tarde, as bicicletas passam.
De dentro do automóvel ninguém se dá conta.
São operários da construção que fogem, que desertam o edifício onde o Diabo de Vinicius tentou o Cristo

(A  foto ao fundo é de Benício Dias - Fundaj)

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